Recebi algumas mensagens pedindo para comentar esse artigo.
O estudo submeteu onze atletas a jejum de 12h seguido de treino visando o ESGOTAMENTO COMPLETO de suas reservas musculares de combustível ( glicogênio) . Depois disso, alimentaram-nos com uma determinada quantidade de calorias (carboidratos, proteínas e gorduras). Esse experimento foi feito no mesmo grupo duas vezes no intervalo de 1 semana , sendo que na primeira rodada essas calorias foram provenientes de "fast food" , e na segunda a fonte dos nutrientes foi obtida através da utilização de suplementos variados, como barras de proteínas e energéticos isotônicos . O resultado apurado evidenciou que a recomposição da reserva de glicogênio foi igual para os dois grupos. Não ficou só por aí. Duas horas após a reposição, os onze pobres coitados tiveram que pedalar 20km no menor tempo que pudessem. Novamente, não houve variação . A performance foi igual.
Incrível?Espantoso ?
Não, claro que não.
Alguém poderia criticar esse estudo por ter usado somente 11 indivíduos. Um "n" muito pequeno , e obviamente, infinitamente mais vulnerável à distorção estatística. Com isso, alguns poderiam dizer que a conclusão apresentada não teria credibilidade.
Creio, contudo, que aos conhecedores de fisiologia e nutrição do esporte não houve espanto com esse resultado, mas sim a certeza que se o estudo fosse repetido com mil atletas , os que conseguissem terminar essa provação apresentariam os mesmos números obtidos com o grupo menor.
A explicação é simples:
Quando a reserva de glicogênio fica ABSOLUTAMENTE ESGOTADA, nosso metabolismo fica parecido com aquele reator usado em " De volta para o futuro 2", no carro/máquina do tempo : Transforma qualquer lixo orgânico em combustível. A avidez do tecido muscular por refazer os estoques é imensa. Para ilustrar, na preparação para provas de longa distância, há uma tática chamada de " carbo loading". Submete-se o atleta à depleção de glicogênio ( há várias maneiras de fazer isso, combinando dieta e treinamento) e já na véspera ou um dia antes da prova uma carga grande de carboidratos é feita, e graças à uma reação metabólica criada justamente pela ausência de glicogênio, não só o estoque é preenchido rapidamente mas chega a ficar 90% maior do que antes. Isso mostra o quanto nosso corpo reage à depleção de estoques de combustível intra muscular .
Um aspecto importantíssimo, e que infelizmente ficou de fora do estudo, é avaliar não só a quantidade de calorias necessárias mas a presença de micronutrientes como vitaminas e minerais . Se um determinado atleta precisa de 12 mil calorias por dia, e para alcançar tal marca utiliza-se de bolos, pizzas e alimentos gordurosos, ( vide o famoso café da manhã de Michael Phelps) , não deixam de ingerir hortaliças, frutas e leguminosas para alcançarem também as quantidades necessárias de micronutrientes sem os quais haverá inevitável deterioração do estado físico e da performance esportiva .
Quanto ao treino em questão, creio que nem preciso falar, já que ninguém em sã consciência vai adotar como ROTINA treinos de depleção de glicogênio. Lesões musculares e queda da imunidade , só para começar, seriam consequências desse tipo de treino que gera alto estresse celular e deve ser reservado para situações específicas.
Por último, fica a minha pergunta :
- Qual a contribuição científica desse estudo?
Para mim, nenhuma. Mas ganhou muito espaço na mídia , sem dúvida .
No meu próximo livro, Doutor : Só mais uma dúvida , a ser lançado no segundo semestre pela Atheneu, dedico o primeiro capítulo a falar sobre perguntas e respostas , e tento fornecer ao leitor ferramentas para separar respostas confiáveis de outras das mais diversas. Desde pura ignorância a informações que confundem mais do que ajudam, passando por nítida má fé e interesse comercial.
Aproveito para celebrar com esse texto a reativação de meu blog.
Abraço a todos,
Paulo Gusmão